DISPUTA POR GRATIFICAÇÕES

Disputa por gratificações

O Estado de S. Paulo

17 May 2019

Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, na primeira quinzena de março, que crimes de corrupção e lavagem de dinheiro ligados à formação de caixa 2 tramitem nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral, a magistratura federal e a magistratura estadual estão travando uma acirrada disputa pela prerrogativa de julgar esses delitos. Parte significativa dos processos decorre das investigações da Operação Lava Jato.

Do modo como está estruturada, a Justiça Eleitoral – uma corte que atua basicamente nos períodos eleitorais, a cada dois anos – é formada na primeira e segunda instâncias por magistrados dos Tribunais de Justiça. Segundo o Código Eleitoral, apesar de a Justiça Eleitoral ser um segmento especializado da Justiça da União, os juízes eleitorais de primeiro grau são recrutados entre os juízes estaduais.

Há dois meses, contudo, sob a justificativa de que a Justiça Eleitoral não tem a experiência para julgar crimes comuns conexos a delitos eleitorais, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) vem pleiteando que seus filiados possam ocupar cargos na primeira instância dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). “A Justiça Eleitoral precisa criar uma estrutura para julgar crimes que tradicionalmente não são julgados por ela. Quando falamos de macrocriminalidade, de lavagem de dinheiro e de organizações criminosas, é necessário fazer essa reflexão”, diz o presidente da entidade, Fernando Marcelo Mendes. Além disso, segundo a entidade, a Constituição – que está acima do Código Eleitoral, na hierarquia das leis – não prevê que a função eleitoral seja exclusiva dos juízes estaduais. A convocação de juízes federais pela Justiça Eleitoral também vem sendo defendida pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

A pretensão da Ajufe, contudo, sofre forte resistência por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que reúne representantes dos Tribunais de Justiça dos 26 Estados e do Distrito Federal. Seus dirigentes alegam que, por estar presente em quase todas as cidades de cada Estado, os Tribunais de Justiça têm juízes suficientes para preencher todas as vagas dos TREs. Também afirmam que eles têm a formação técnico-jurídica necessária para julgar crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e de formação de caixa 2. Apesar de todos os juízes serem competentes, nos crimes comuns conexos a delitos eleitorais, “é a Justiça Estadual que atua na Justiça Eleitoral”, diz o presidente da AMB, Jayme Martins. A entidade lembra que a questão foi levada há mais de sete anos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que rejeitou as pretensões da Ajufe e de outras quatro associações vinculadas a juízes federais.

Essa disputa corporativa, que estava restrita apenas aos meios forenses e às associações de magistrados, ganhou visibilidade nacional durante uma audiência pública promovida pelo TSE e presidida pelo ministro Og Fernandes, que também atua no Superior Tribunal de Justiça. O objetivo do evento era recolher sugestões para que a Justiça Eleitoral possa colocar em prática a decisão do Supremo.

O que prevaleceu nessa audiência foi o embate entre juízes estaduais e federais, e por um motivo muito mais prosaico do que institucional: quando um magistrado estadual assume funções na primeira instância da Justiça Eleitoral, ele continua recebendo seus vencimentos e ainda passar a ter direito a uma gratificação, hoje no valor de R$ 5.390,26. Portanto, a disputa entre juízes estaduais e juízes federais – que já estão entre as mais bem remuneradas corporações da administração pública – não é somente por protagonismo na vida política. É, igualmente, por motivos pecuniários.

Neste momento em que o País enfrenta uma severa crise fiscal e em que o combate à corrupção é aplaudido pela população, custa acreditar que os juízes estaduais e os juízes federais estejam brigando para assumir a função de juízes eleitorais com o olho em mais gratificações pecuniárias do que na depuração moral da vida política.

De <https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20190517>

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