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REPÚBLICA MONOCRÁTICA

República monocrática
- O Globo
- 23 Dec 2018
- ASCÂNIO SELEME oglobo.globo.com/brasil/ascanio-seleme/ ascanio@oglobo.com.br
Quem não conhece um síndico que num determinado dia surrupiou o poder da maioria e, contrariando a convenção do condomínio, tomou uma decisão solitária sem consultar ninguém? Pois é, o Brasil está cheio de síndicos assim. E normalmente suas decisões isoladas acabam custando alguma coisa para todos os condôminos. Claro que estamos falando aqui de gente que arroga para si um poder que normalmente não tem. E isso é um problema. Mas problemão mesmo acontece quando a pessoa que toma este tipo de decisão monocrática tem poder para isso.
OBra si léo paraís odas decisões monocráticas, onde juízes em tribunais superiores têm autonomia para tomar decisões solitárias, mesmo fazendo parte de um colegiado, que depois pode ou não confirmar aquela decisão. Nesta semana tivemos o exemplo mais categórico de como uma decisão dessas pode envenenar o país, causando onda de críticas e gerando desconforto ao órgão ao qual pertence apessoa que tomou a decisão individual, além de politizar uma questão que deveria ser jurídica. Tratase da confusão gerada pelo ministro do STF Marco Aurélio, que esperou o tribunal entrar em recesso para decidir sozinho que ninguém poderia ser preso antes de seu processo transitar em julgado.
A decisão de Marco Aurélio derrubava a prisão em segunda instância. A questão polêmica já havia sido debatida pelo plenário do Supremo, que a considerou constitucional em 2016. Por provocação de partidos políticos, depois da prisão de Lula, o assunto volto upara apautado STF e será discutido e votado de novo em abril do ano que vem. Marco Aurélio atropelou não só apautado STF, mas também o próprio plenário que antes já havia considerado a medida constitucional. A liminar, que acabou cassada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, colocava em liberdade Lula e outros 169 mil presos.
Foi a decisão monocrática mais polêmica dos últimos anos, mas não foi a única. No ano passado, segundo levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 26,5 mil julgamentos de méritos feitos no tribunal, 13,6 mil (51,3%) foram decididos por apenas um ministro, sem consulta ao plenário. Decisões individuais sobre recursos no mínimo contrariam a vontade do impetrante. Se a ação chegou ao STF, depois de passar pelas instâncias inferiores, o autor da ação espera uma decisão colegiada. Decisão de uma cabeça só ele já teve na primeira instância.
Há uma outra forma de interferir monocraticamente numa decisão colegiada. São os casos em que ministro, percebendo que vai perder a votação sobre determinado assunto, pede vista do processo e suspende o julgamento pelo tempo que lhe parecer mais conveniente. Em média, um pedido de vista fica parado 3 anos e 7 meses no STF. Mas houve um caso em que o processo deixou de andar por 24 anos, uma ação da Fazenda Pública de São Paulo. Há também situações em que ministro pede vista e interrompe julgamento em que maioria já está dada. Foi o que ocorreu no julgamento do indulto de Natal proposto pelo presidente Temer, no final de novembro. Quando a maioria a seu favor já estava consolida com seis votos, o ministro Luiz Fux pediu vista.
É fato, enãoé jabuticaba, quem uit agente achaques abe maisque as demais e toma decisões solitárias sobre problemas que envolvem muitos. São os voluntaristas que se acham acima do bem e do mal. Se esses, como os síndicos que ignoram seus condôminos, causam embaraços e muitas vezes prejuízos a terceiros, imaginem o que pode acontecer quando o voluntarista usa uma toga. Resulta em episódios como este gerado por Marco Aurélio, que acabou sendo desautorizado pelo seu superior na hierarquia do STF.
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