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A JULGAR PELAS CIRCUNSTÂNCIAS< STF QUER INFLUENCIAR A POLÍTICA

Ao julgar pelas circunstâncias, STF quer influenciar a política
- O Globo
- 1 Nov 2019
- MIGUEL CABALLERO
OSupremo Tribunal Federal (STF) retomará no dia 7 o julgamento proposto a definir o momento em que uma pessoa pode ser presa no Brasil. Qualquer que seja o resultado, uma boa aposta é que ele não será tão definitivo.
Nos últimos anos, o STF mudou por vezes a jurisprudência desse marco legal tão importante. Há ministros que mantiveram coerência, e os que já trocaram duas vezes de convicção desde 2009, embora o texto constitucional seja o mesmo desde 1988, e bastante claro. É um sintoma de que o tribunal costuma se pautar e decidir sob influência das circunstâncias ou da conveniência de ocasião. Quando a nova apreciação se dá sob a sombra de um caso que move paixões, é certo que o modelo terá se repetido — isso também independe do que dirá o acórdão.
Há duas semanas, o presidente Dias Toffoli, que escolheu sozinho o momento do julgamento, declarou: “Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. O objetivo é (...) dar o alcance e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na Constituição”.
Nem a Velhinha de Taubaté acreditou. O Judiciário vive longeva crise de credibilidade. Não ajudará a saná-la a sensação de que o resultado terá menos a ver com o mérito jurídico em questão do que com um “solta Lula” (pode me chamar de “derrota a Lava-Jato”) ou um “prende Lula”. E não terá sido a primeira vez.
Em 2018, quando a Corte negou habeas corpus ao ex-presidente, era imparável o ambiente pró-LavaJato. Dois anos antes, já era grande a pressão sobre qualquer juiz cuja decisão pudesse ser lida como um freio para a operação. O STF, então, passou a permitir a prisão em segunda instância. Respaldado por essa jurisprudência, o TRF-4 deu a sentença que levou Lula à prisão e o tirou das eleições. Esse último entendimento do Supremo, ressalte-se, não inibiu ministros de tomarem decisões monocráticas ignorando-o desde então.
A mudança de conjuntura pode resultar em nova guinada. A eleição já passou. Seja pelas mensagens reveladas pelo Intercept Brasil, por decisões do Congresso ou do governo, o enfraquecimento da Lava-Jato é um fato político. Alguns ministros anseiam dar um corretivo nos responsáveis pela operação pelos excessos cometidos. Mesmo para Jair Bolsonaro, não seria um desfecho totalmente ruim. Lula livre poderia reanimar e reintegrar suas bases —o antipetismo foi a força que reuniu no mesmo balaio, sob o número 17, os gatos que já se engalfinham depois da vitória eleitoral.
A prisão de Lula continua a ser, por outro lado, simbólica. Muitas vezes, o alerta de que a volta à jurisprudência do trânsito em julgado pode colocar até cinco mil presos em liberdade foi o verniz sobre a preocupação real de que apenas um, bem específico, seja solto. Uma articulação liderada por Toffoli, como noticiou no GLOBO a repórter Carolina Brígido, poderia levar a uma decisão de aparente meio de caminho: prendese o réu quando negado o primeiro recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Um resultado destinado a manter o petista na cadeia. Seria uma gambiarra longe de ser novidade num país onde sua sucessora foi cassada mas manteve os direitos políticos, numa solução patrocinada pelo então presidente do STF, o ministro Lewandowski.
A rigor, a poucos interessa que seja diferente. É conveniente para os ministros que o STF seja, para usar um eufemismo, permeável ao ambiente externo. É um modelo que funciona como fonte de poder, por proporcionar a capacidade de influenciar o processo político. Quando se trata de um tribunal cuja maior atribuição é ser justamente o intérprete da Constituição, essa aptidão de se chegar ao resultado que se deseja, digam os autos ou as leis o que disserem, é também perpetuadora de seu poder.
Citada sempre como uma virtude a ser perseguida pelo STF, a palavra “previsibilidade” é recorrente nos votos dos ministros. Fosse efetivamente uma obsessão dos membros da Corte, estaríamos diante de um raro caso de autoridade que abre mão do próprio poder. É provável que o termo ainda seja ouvido pelo telespectador da TV Justiça no restante do julgamento. Desconfie.
É conveniente para os ministros que o STF seja permeável ao ambiente externo. Funciona como fonte de poder
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