A LEI, DANÇARINA QUE SE MOVE CONFORME A MÚSICA

A lei, dançarina que se move conforme a música

Correio Braziliense.

20/04/2018

Opinião - Ari Cunha

Contrassenso talvez seja o termo que melhor defina o Brasil atual. A situação é melhor observada com relação à aplicação das leis, principalmente daquelas que resultam na prisão do infrator. Nesses casos, levar o indivíduo para trás das grades, principalmente aquele de alta renda, mais parece um tabu a ser vencido perante os tribunais do que o cumprimento de preceito jurídico claro.

 

As manobras e as procrastinações que se sucedem nas diversas instâncias e cortes, cada uma com seu ritual próprio, demonstram, na prática, que a aplicação da lei, pura e simples, vai se tornando, cada vez mais, exceções à regra. Com isso as chances de um delinquente de alto coturno ir para uma cela vão ficando cada vez mais raras. Isso resulta que o medo de vir a perder a liberdade por algum ilícito é cada vez menor, dadas as infinitas possibilidades de recursos e chicanas de toda a ordem.

 

Nesse sentido, causa estranheza que alguns doutos nas ciências do Direito ocupem parte significativa de seu precioso tempo em regular as formas de como bem tratar e conduzir personalidades presas. O mesmo esmero se vê em relação às chamadas conduções coercitivas que devem, doravante, por ordem suprema, obedecer a normas e etiquetas suaves, de modo a não ferir suscetibilidades e outros sentimentos desses fidalgos, apanhados em desacordos com a lei.

 

Para os encarcerados por qualquer crime, mesmo os hediondos, auxílios-reclusão são estabelecidos e, não raro, ultrapassam o valor de um salário mínimo. Em outras decisões esdrúxulas, concede-se saídas temporárias à detenta em alusão ao Dia das mães, justamente para acusada de duplo parricídio. Em outra ponta, legisladores cuidam para que crianças, cujo pai ou mãe se encontra em prisão, recebem maior proteção do Estado, além da possibilidade de prisão domiciliar para mães com filhos menores de 12 anos.

 

Enquanto isso, progressões, saidões, anistias e indultos são distribuídos generosamente ao longo do ano. Correndo por fora, a indústria recursal e os contorcionismos jurídicos, que têm proporcionados a escritórios de advocacia por todo o país amealhar verdadeiras fortunas, seguem a todo o vapor. Aliás, ainda está por ser devidamente escrita e destrinchada esse capítulo recente de nossa história envolvendo jurisconsultos qualificadíssimos em seu mister e figurões da República. Enquanto são estendidos tapetes e misuras legais de todo o tipo a corruptos de alta patente, suas vítimas diretas que jazem sem atendimento em corredores de hospitais insalubres e desequipados, ou em escolas sem teto e sem material escolar, ou nas ruas sem segurança, ou pagando quatro vezes mais o que vale a gasolina para segurar o rombo vão sobrevivendo como podem, num outro Brasil, onde regalias e outras deferências não são, sequer, sonhadas.

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