O STF DECRETA CENSURA

 

O STF decreta censura

O Estado de S. Paulo

17 Apr 2019

Não há outras palavras para descrever a decisão de Alexandre de Moraes. Num Estado Democrático de Direito, a informação é livre. Não cabe à Justiça determinar o que é verdadeiro.

Uma coisa é a instauração de um inquérito criminal para investigar ameaças veiculadas na internet envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Outra coisa bem diferente é um ministro do STF determinar, no âmbito desse inquérito, o que pode e o que não pode ser publicado por um veículo de comunicação a respeito do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Isto é censura e, no Brasil, a Constituição de 1988 veda explicitamente a censura.

Não há outras palavras para descrever a decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ao determinar “que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada ‘O amigo do amigo de meu pai’ e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100.000”, o relator do inquérito ordenou a censura de dois veículos de comunicação. O assunto tem especial gravidade tendo em vista que a missão doST Fé precisamente protegera Carta Magna.

Num Estado Democrático de Direito, ainformaçãoé livre. Não cabeà Justiça determinar oqueéeo que não é verdadeiro, ordenando retirar – ordenando censurar, repita-se – o que considera que não corresponde aos fatos. Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes alega que o conteúdo publicado pelos dois veículos de comunicação foi desmentido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e, portanto, não caberia sua publicação – raciocínio que ofende a liberdade de expressão e de imprensa.

“O esclarecimento feito pela PGR tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria ‘O amigo do amigo de meu pai’, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”, escreveu o relator do inquérito.

Não cabe à Justiça determinar o queéeo quen ãoéfakenews.N uma sociedade livre, o Estado não tem autoridade para arbitrar oqueéverd adeiro eoqueé falso. Além disso, por mais que se possa qualificar com segurança que uma notícia não corresponde inteiramente aos fatos, isso não significa autorização para que a Justiça a censure. A ideia de que uma fake news “exige a intervenção do Poder Judiciário”, como disse Alexandre de Moraes, não tem respaldo na Constituição.

Vale lembrar que, no período eleitoral, vigem regras específicas sobre propaganda eleitoral, cabendo à Justiça Eleitoral averiguar se o material produzido por um candidato guarda correspondência com os fatos. Dependendo do caso, um conteúdo considerado ofensivo pode ter sua veiculação proibida e dar direito à resposta do candidato ofendido. Essa atuação da Justiça Eleitoral, específica do período eleitoral, não guarda nenhuma correspondência, no entanto, com a iniciativa do Judiciário de assumir a função de árbitro da veracidade das informações que circulam na sociedade.

Todo cidadão tem o direito de recorrer à Justiça para a proteção de sua honra para postular direito de resposta, bem como exigir as correspondentes consequências cíveis e penais. No entanto, isso não significa entender que uma notícia supostamente equivocada sobre o presidente do STF é uma agressão às instituições nacionais e mereça ser censurada.

A Justiça deve atuar com rigor contra as ameaças proferidas contra ministros do Supremo e seus familiares. Essas agressões representam uma grave violação das garantias do Estado Democrático de Direito, na medida em que tentam subjugar a independência do STF. A difusão de notícias mentirosas também pode representar uma forma de ameaça contra o Poder Judiciário. Nada disso, no entanto, é justificativa para esquecer a Constituição e decretar a censura de meios de comunicação.

Nesses tempos revoltos, é de especial importância o respeito às garantias e às liberdades fundamentais. A resposta do Estado a quem deseja subverter a ordem deve ser a mais plena fidelidade à lei e ao Direito. Não há outro caminho de liberdade.

De <https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo>

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