PRIVILÉGIOS - PENDURICALHOS SEM LIMITES

Privilégios - Penduricalhos sem Limites

Correio Braziliense

22 Dec 2018

Tratados como seguro para garantir a independência e a probidade da Justiça, os benefícios dos juízes brasileiros custam muito aos cofres públicos. Fora os salários, que acabam de aumentar R$ 16,3%, cada um dos 18 mil magistrados do país recebe em média aproximadamente R$ 20 mil mensais com os mais variados penduricalhos para suavizar as despesas com casa, comida e escola dos filhos. Esses valores comprometem a transparência dos vencimentos, burlam os tetos salariais e, ainda, são isentos de impostos (veja texto ao lado).

Muitos desses penduricalhos são dos Judiciários estaduais, garantidos por leis locais. Dependem, mais tarde, de anuência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que, em geral, acontece. Nesta semana, por exemplo, alguns itens foram chancelados.

Nesse valor está incluído o polêmico auxílio-moradia. Esse item foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em troca do aumento. Mas foi revalidado pelo  CNJ 22 dias mais tarde, na última quarta-feira. As vantagens autorizadas pelos tribunais estaduais também são generosas. Uma delas é o auxílio-alimentação no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), que acaba de ser aumentada, passando para R$ 3.546 por mês.

O auxílio-alimentação dos juízes maranhenses corresponderá a quase quatro vezes o valor do salário mínimo de 2019, fixado em R$ 1.006,00 a partir de janeiro. Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, autorizou o reajuste nesta semana. Ontem, recuou. Quer agora que o plenário do CNJ delibere sobre o assunto. Ele já havia questionado os critérios para a concessão do benefício, que corresponde a 10% dos salários dos magistrados do Maranhão. Os juízes maranhenses têm o penduricalho garantido por uma lei estadual e já ganharam aumento em 2017, para que o valor fosse equiparado ao dos promotores do estado. Antecessor de Martins, o ex-corregedor João Otávio Noronha vetou a mudança, mantendo R$ 726 fixos, independentemente do salário.

Os benefícios concedidos a juízes estaduais pelo país revelam um quadro de disparidade e distorções nas modalidades e valores de auxílios recebidos. Isso se deve ao forte peso dos legisladores estaduais na definição dessas vantagens. Todos os estados pagam auxílio-alimentação aos juízes, mas os valores diferem bastante. A disparidade também ocorria com o auxílio-moradia que, no Distrito Federal, está tabelado em pouco mais de R$ 4,3 mil. Em Rondônia, o benefício variava acima do teto, com valores entre R$ 4.964 e R$ 6.094. O penduricalho foi cancelado pelo STF e, depois, restabelecido pelo CNJ.

Na última quarta, um dia depois da aprovação das novas normas para o auxílio-moradia, o Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) também fixou o auxílio-alimentação em 10% dos salários dos magistrados — que aumentaram em efeito cascata de R$ 33 mil para R$ 39,2 mil. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), foram gastos R$ 28,8 milhões com o pagamento de um abono de Natal aos aposentados. O benefício ficou conhecido como “auxílio-peru”. Criado em 2007, é pago apenas aos inativos.

Despesa

Pelos dados do Justiça em Números 2018 (ano-base 2017), a despesa média do Poder Judiciário por magistrado foi de aproximadamente R$ 48,5 mil, deduzidos os impostos. No ano passado, havia 18.168 magistrados no país, de acordo com o CNJ. Com as mudanças no auxílio-moradia, que foi destituído pelo STF e reformulado pelo CNJ, o máximo a ser recebido por juiz será R$ 4,3 mil. Apenas quem não possui imóvel terá direito ao benefício, por meio de ressarcimento. Para ter o valor depositado em conta, será necessário apresentar comprovante de pagamento de aluguel.

Para o professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Goiás (UFG) Osmar do Nascimento, o auxílio-moradia tem caráter de verba indenizatória e é pago, por exemplo, quando um soldado do Exército é deslocado para a fronteira a trabalho. No caso do Judiciário, a situação era outra. “Era salário indireto. Como não tinha caráter de reparação, era renda. A mudança poderá funcionar nesse sentido, mas é muito ingênuo pensar que alguém com R$ 40 mil de salário não consiga fixar residência. A tendência é que os magistrados deixem de investir em imóveis e continuem abocanhando o benefício”.

Isenção tributária

Os juízes brasileiros de 81 tribunais federais e estaduais deixam de pagar cerca de R$ 30 milhões por mês de Imposto de Renda graças à isenção tributária de benefícios como auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde. Se os chamados penduricalhos fossem tributados da mesma forma que os salários, cada juiz teria de repassar, em média, 19% a mais para a Receita Federal. Como a grande maioria dos auxílios concedidos pelo Poder Judiciário tem valor fixo e pagamento mensal, é possível projetar que essa espécie de renúncia fiscal alcance R$ 360 milhões por ano — aproximadamente R$ 20 mil por juiz, em média.

Teoricamente, os benefícios são vistos como salários. Por isso, não deveria haver tratamento tributário diferenciado, argumentam críticos de privilégios no Judiciário. “Então tem que incluir no teto e pagar imposto de renda. Será que um dia a lei será igual para todos neste país?”, escreveu a economista Elena Landau, em postagem no Twitter, ao reagir à afirmação de Moro de que o auxílio-moradia compensa a falta de reajuste salarial no Judiciário desde 2015.

Bônus

Para estimar o “bônus tributário” dos juízes, foram analisadas as folhas de pagamentos, relativas aos meses de novembro e dezembro do ano passado. Elas foram enviadas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ficaram de fora do levantamento apenas os juízes que não receberam auxílio ou que, por serem aposentados, não têm desconto de Imposto de Renda na fonte. Foram calculados o valor tributável de cada contracheque e o impacto que haveria em cada um deles caso o imposto incidisse também sobre os penduricalhos. Em novembro, essa diferença foi de R$ 29,8 milhões. Em dezembro, mês de pagamento do 13.º salário, chegou a R$ 30,3 milhões.

“A lei trata como indenização o que a pessoa recebe em virtude de uma perda a ser reparada”, disse Heleno Torres, professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP). “É preciso compreender o limite do conceito de indenização. O que não tem natureza obrigatória deve ser oferecido sempre à tributação”. (BB)

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